No já distante ano de 1985 tomei a decisão (com um amigo) de ir á boleia para França. No pensamento, tinha uma enorme vontade de cruzar fronteiras. Nessa altura, antes de ir, tive alguns contactos com emigrantes e gostaria de ver e sentir como seria a vida por lá. Tolerante, viajei com um espírito aberto e sem ideias fixas a respeito de nada. Como objectivo inicial, só queria conseguir algum trabalho que me permitisse ficar por lá algum tempo e, com, isso conseguir alguma independência na carteira de forma a ficar o menos limitado possível.
Foi uma opção minha, pois por cá o país não estava fácil. Havia a necessidade de abrir novas portas, novos horizontes, e o desconhecido poderia ser uma hipótese.
Com isso, e talvez por a viajem ter sido realizada á boleia e com toda a liberdade que se sente, sentia-me um cidadão livre, não só no meu país e na Europa mas, também no mundo. Como sempre, e com todos os ensinamentos de criança recebido pelos mais velhos, respeitar para ser respeitado era um lema. Sem preconceitos raciais, sociais, sexuais ou religiosos, pensava estar á altura desse desafio.
Já em França, muitas das noites foram passadas na estação de comboios. Era quase minha, apesar de ser um bem comum, tratava-a como se da minha casa se tratasse. Um dia, ao acordar num jardim entre dois prédios, uma senhora aproximou-se e convidou-nos para comer uma sopa quentinha. Isso, era algo que já não nos passava pela garganta quase há um mês e, ainda por cima quentinha numa manhã fria de Outono, era sinal que tudo iria mudar. Era uma imigrante de Braga em França há 30 anos com filhos da nossa idade.
No dia seguinte fomos com a sua filha a uma pequena agência de emprego com o intuito de saber se havia pedidos para trabalho na vindima. Na altura, vivíamos um pouco com a expectativa de saber o que era isso da CEE. Para nossa surpresa e apesar de Portugal ter assinado o acordo de entrada na CEE nesse Verão de 85, os nossos direitos de cidadãos da CEE só entravam em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1986. Ficámos a saber então que, os ingleses estavam primeiro e eram encaminhados por eles, enquanto isso nós tínhamos que esperar o ano seguinte. Só havia uma solução, a tal que hoje em dia faz furor na publicidade: o porta a porta, boca a boca, palavra a palavra.
Fomos para a estrada visitando dezenas de quintas. A primeira dificuldade surgiu logo na primeira que visitámos quando nos disseram que a apanha da uva seria efectuada por máquinas. -Máquinas! Para apanhar a uva! - Exclamei eu.
Não era fácil acreditar que em 85, os franceses vindimassem já com máquinas. Para mim era uma novidade completa e isso só iria tornar o nosso objectivo mais complicado, mas…mais divertido também…
Mudança. Nessa estadia por França, queria aproveitar o facto de lá estar para ver que tipo de oportunidades havia, tanto a nível profissional como pessoal. Seria talvez um teste. Tentar perceber se tinha espírito para trabalhar noutro país que não o meu, falar outra língua que não a minha, viver uma cultura diferente no dia a dia, os jornais, a televisão, a musica, a comida, os hábitos, enfim, tudo o que nos faz sentir “estrangeiros” e estranhos. O viver uma vida a falar uma língua que não a nossa era talvez o maior entrave. A falta da família não era problema, já a falta da comida da mamã era. O facto de cada hora, cada dia ser novo para mim fazia com que esquecesse tudo.
Em Portugal, a vida não estava nada fácil. Uns anos antes, a guerra colonial tinha absorvido grande parte dos nossos recursos económicos, e isso, condicionou de forma brutal o nosso crescimento económico. Enquanto as nossas economias estavam a ser consumidas por uma guerra distante, os países na Europa desenvolviam-se com uma rapidez fantástica.
Para além da guerra, acabámos por perder recursos. Enquanto a Europa florescia, muito á conta de acordos feitos entre os países. Um deles seria a CEE ou “mercado comum”.
Vivendo numa ditadura, era impossível fazermos parte desse mercado nessa época, e talvez por isso mais tarde, com a entrada de mais de um milhão de portugueses oriundos das colónias em Portugal, mais centenas de milhares de refugiados que iam chegando enquanto a guerra durava, aumentava a crise em Portugal.
Isso levou muitos de nós a procurar soluções de vida nesses tais países que se desenvolviam rapidamente. A procura de emprego, melhores condições sociais, liberdade, direitos humanos para o cidadão e suas famílias era de facto o objectivo do povo. Ao viajar num comboio em 2ª classe eu sinto-me perfeito, não preciso mais para ser feliz. O problema surge quando a 2ª classe fica minúscula para tanta gente, quando fica gasta, desconfortável, e o pior quando não há expectativas ou ilusão de que possa ficar melhor. Então…chegou o momento de procurar a 1ª classe, a todo o custo.
Esse é o principal motivo que leva alguém a deixar suas terras.” A procura de uma vida melhor”, poderia ser muito bem um título de um livro sobre os fluxos de emigração emergentes. É lógico que haverá outros motivos como por exemplo a baixa natalidade na Europa, a falta de mão-de-obra mais barata, muito aproveitada pelas grandes multinacionais da construção e industria, a competitividade de preços depois da globalização.
A globalização? Ela já existia á muito, muito tempo, apenas foi adoptada pela economia dos G´s (G6, G7, G8 e agora G8+5). É curioso que globalização comece por G, não é? Essa mesma letra (G8), ou esse clube melhor dizendo, é nem mais nem menos o clube mais abastado do mundo. Acredito, que já lá vai o tempo em que os políticos controlavam o sistema empresarial, agora, são as grandes multinacionais que controlam o sistema politico mas… isto não passa só, de uma opinião pessoal. O grande contra da globalização, é sem duvida o facto de esses grandes glutões (multinacionais) do mercado global e livre, não deixarem desenvolver as empresas locais. A favor, existe um comércio livre, claro. Acham que os países mais pobres ganharam algo com isso?
É que essa, foi a ideia que nos venderam na época. Aquela velha História de que “ Isto é bom para todos”.
Tornaram-se dependentes dos G´s!
* Foto de José Araújo.